Foi assim na história do casal “Ethel e Ernest”,
animação lançada pela Netflix, em 17 de fevereiro de 2022. Baseada na HQ do
escritor e ilustrador Raymond Briggs (filho dos personagens). O filme nos
convida a adentrar a casa do apaixonante casal para sermos tocados por
sentimentos como companheirismo, afeto, cuidado, inocência e muito amor.
O romance de Ethel e Ernest iniciou-se por volta de 1928, quando Ethel,
mulher sensível e conservadora, era dama de companhia de uma abastada senhora londrina,
tendo aprendido em seu cotidiano a apreciar o luxo e a etiqueta. Por outro
lado, Ernest, era um homem de hábitos simples, trabalhava como entregador de
leite e votava no Partido Trabalhista. E sim, eles eram o oposto um do outro.
Mas isso não foi empecilho para o amor.
E como iniciou o romance do casal?
Ah, o romance iniciou de uma forma um tanto
inusitada. Certo dia, Ethel estava em seu trabalho fazendo a limpeza da casa e
abanou um lenço branco pela janela a fim de sacudir a poeira. Naquele momento,
o leiteiro Ernest, estava passando pela rua, e, ao deparar-se com a cena,
interpretou-a como um aceno carinhoso de Ethel para ele.
Entusiasmado, não demorou para que convidasse Ethel
para ir ao cinema. Da ida ao cinema para o pedido de casamento, não demorou
tanto tempo. Ernest tinha pressa de fazer sua adorada Ethel feliz. Casaram-se e
iniciaram uma jornada a dois marcada por desafios e inúmeras conquistas.
Uma das coisas que chamou atenção na animação foi o
cotidiano do casal, que tinha como "pano de fundo" as mudanças
tecnológicas/históricas pelas quais passava o mundo nos idos 1928 a 1971,
mudanças que foram mostradas na animação sob a perspectiva do núcleo familiar
de forma bastante sutil, mas, ao mesmo tempo, impuseram-se como algo
inevitável na então história social londrina.
Os eventos históricos e as transformações ocorridas
na Inglaterra (diga-se, berço da Revolução Industrial), são de encher os olhos
do telespectador apaixonado pela história. Na cena de um avião cortando a
cidade de Londres, em 1928, pode-se observar as casas londrinas de telhados
escuros e com chaminés, bem como um "double deckers", típico ônibus
de dois andares de cor vermelha da "London Genral Omnibus Company".
O progresso era irreversível, o mundo se
modificava. Eram tempos das grandes invenções. O que dizer da praticidade
trazida pela eletricidade?
A mobília da casa se modificava para receber as
inovações, tais como a geladeira, Tv, rádio e o telefone, dentre outras
inovações do século XX. E, em meio a essas mudanças, é possível perceber que
Ernest, mais liberal, verdadeiramente apreciava os ares de modernidade, enquanto
Ethel, conservadora, demonstrava desconfiança em relação aos novos tempos.
A propósito, é importante registrar que Raymond
Briggs, lançou um olhar sereno sobre o posicionamento conservador de sua mãe.
Evidenciando sensibilidade na compreensão do lugar social ocupado pela mesma.
Para Ethel, bem que o filho poderia "ser um chefe, um médico, mas
decidiu ser artista cabeludo e assim nunca vai se sustentar" disse certa
vez a Ernest.
Mas, a II Guerra Mundial, foi um dos momentos mais
tensos da história do casal, tiveram que deixar o filho adorado na casa
das tias e conviver com o distanciamento, bem como com os horrores da guerra
que modificou a paisagem da capital britânica- bombardeios de residências,
incêndios, sirenes e equipes de bombeiros preparadas para conter o avanço dos
incêndios.
As notícias chegavam via rádio, veículo de comunicação que também
anunciou o lançamento da bomba de Hiroshima e o final da guerra. Raymond Briggs, mostrou, nesse momento do lançamento da bomba na cidade japonesa, a indiferença dos pais em relação a este acontecimento
aterrorizante, comportamento este que acreditamos que seria diferente se eles
pudessem visualizar a catástrofe, através das imagens ou vídeos, mas que foram
transmitidos pelo rádio, não tendo o mesmo impacto que a televisão.
Eram todos sobreviventes da devastadora guerra e o
tempo era implacável, o filho artista casara-se com uma mulher esquizofrênica,
não podiam ter filhos. Ethel, em especial, teve que se acostumar com a ideia de
que não seria avó. Mas o casal não se deixou abater. A vida possuía seus
encantos, o amor era o fio condutor da família.
É preciso dizer que a guerra acentuou as inovações
tecnológicas- a massificação do telefone, a TV e a chegada do homem a lua foram
progressos do pós-guerra. Certo dia, Ernest, chegou em casa dirigindo um
automóvel da firma de leite onde trabalhava, pois a antiga carroceria fora substituída pelo
carro elétrico. E Ethel, sempre cautelosa e avessa às mudanças, não perdeu
a oportunidade de alertar: "Espero que você não perca o controle".
Mas não pense o leitor que Ernest não teve seus
momentos de estranhamento que ocorreu quando o mesmo ficou sabendo pelo jornal
que seu partido lançaria o nome de Margareth Thatcher, uma mulher de 25 anos,
para a Câmara dos Comuns por Dartford (Distrito majoritariamente trabalhista).
O fato é que a vida seguiu um caminho que não
foi o programado por Ethel e muito menos idealizado por Ernest, no que tange ao
universo político. O filho formara-se em artes e conseguiu ascender
profissionalmente na carreira que escolheu, embora não tenha sido algo desejado
por Ethel, por ainda estar presa aos padrões de sua geração, a mesma pode
contemplar o sucesso profissional de seu filho. As transformações ocorridas no
século XX promoveram o surgimento de novas profissões, ao mesmo tempo em
que extinguiu outras carreiras.
Em determinado momento da narrativa as mudanças
tecnológicas/comportamentais já não assombravam mais o casal, nem os faziam encher os olhos com as novidades. Ethel e Ernest experienciaram o envelhecer
juntos, era uma outra fase da vida. E embora tenham vivido intempéries e
limitações, algo especial nos toca, enquanto amantes de uma boa história- o
companheirismo/amor do casal, respeito e a singeleza nos traços de Raymond
Briggs, ao nos presentear com uma das mais belas histórias de amor vivenciada
pelos seus pais, Ethel e Ernest, os quais sempre tinham tempo para tomarem uma
xícara de chá.
Fica ao leitor o convite para assistir a animação,
recomendo que peguem os lencinhos, pois é emocionante!
Leia mais
sobre o tema em:
Um outro
lado de Ethel e Ernest- https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/03/25/um-outro-lado-de-ethel-e-ernest-filme-resgata-nosso-passado-tecnologico.htm . Disponível em:
28/02/2022.
Ethel e
Ernest- https://espalhafactos.com/2018/03/16/monstra-ethel-ernest-critica/ . Disponível em:
28/02/2022.
Comentários