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Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB: pelos fios da História e da Memória


Fonte: Acervo do Memorial das Ligas Camponesas-PB.

No dia 25 de maio de 2024, estivemos no Memorial das Ligas Camponesas, localizado no município de Sapé-PB. A visitação foi parte de uma atividade do grupo de pesquisa Redmus da UFPB, coordenado pela Profa. Dra. Luciana Costa.

O Memorial das Ligas Camponesas é um guardião das histórias de homens e mulheres que lutaram contra as injustiças cotidianas na região de Sapé-PB. Inserido em um cenário onde a natureza é abundante, a calmaria da paisagem do Sítio Barra de Antas desvela-nos aos poucos os conflitos em torno do direito de existir dos camponeses que um dia ousaram questionar ao “latifúndio” em um passado recente.

Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB. Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.


Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB. Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.

A casa que abriga o memorial resiste ao tempo e aos imbróglios surgidos em torno de sua existência, ela que um dia foi residência dos agricultores João Pedro Teixeira e Elizabeth Teixeira, casal que se tornou um símbolo da luta camponesa no Brasil e na defesa da reforma agrária.

João Pedro Teixeira nasceu no dia 4 de março de 1918, em Pilõezinhos, antigo distrito do município de Guarabira. Época na qual as memórias em relação ao fim da escravidão e da monarquia eram recentes, fazendo-se sentir nas tessituras das relações sociais, políticas e culturais. O seu pai era arrendatário e, por diversas ocasiões, envolvera-se em conflitos em defesa dos camponeses, alcançando a fúria dos proprietários que procuravam tirar-lhes a vida, era um indivíduo “marcado para morrer”. E essa situação de insegurança acabou levando o arrendatário João Pedro Teixeira (pai) a fugir para evitar um possível assassinato.

João Pedro Teixeira (filho), sua mãe e irmã não tiveram outra opção, para escaparem das perseguições impetradas pelos poderosos locais, acabaram abandonando sua moradia para irem residir em casas de familiares. E foi na casa de seu tio, em Massangana (Cruz do Espírito Santo-PB), que João Pedro Teixeira começou a posicionar-se contra a situação de exploração dos camponeses- trazia em sua bagagem o desgosto pelo esfacelamento de sua família por causa do conflito em torno da terra. Embora analfabeto, possuía a capacidade de impactar o público ouvinte e atrair os ouvidos daqueles que sofriam os abusos e não sabiam como defender-se.

Após uma temporada na casa de seu tio, João Pedro Teixeira foi trabalhar em uma pedreira em Café do Vento, Sapé-PB. Foi lá que conheceu Elizabeth Teixeira, trocaram olhares e poucas palavras, nascia assim uma paixão proibida. A jovem Elizabeth pertencia a uma família branca e de posses, de imediato, o seu pai posicionou-se contra o relacionamento de sua filha mais velha com um homem negro e pobre.

No entanto, a paixão foi mais forte e rompeu as amarras dos preconceitos e da autoridade paterna, João Pedro Teixeira e Elizabeth fugiram, casando-se em 1942. Foram morar em Massagana, onde João Pedro Teixeira voltou a trabalhar na pedreira e envolver-se intensamente na organização dos trabalhadores, as reuniões com os trabalhadores acabou levando a criação do Sindicato dos Operários que ficou sob sua presidência.

A vida do casal nunca foi fácil, devido ao crescimento da liderança de João Pedro Teixeira, os proprietários locais tinham-no como alvo e, por diversas vezes, ele foi ameaçado de morte. A família passou muitas necessidades devido à militância de João Pedro Teixeira, diante disso, em 1954, decidem aceitar a proposta do pai de Elizabeth e acabam retornando para Sapé, onde ficaram na propriedade de Antas do Sono.

Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB. Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.

O espírito questionador de João Pedro Teixeira e sua indignação ante as injustiças dos proprietários de terras, levaram-no mais uma vez às trincheiras, fez inúmeros discursos contra os abusos cometidos por esses proprietários. Em 1958, com a contribuição dos camponeses João Alfredo Dias (Nego Fuba) e Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro), criaram a Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé. O objetivo primordial da associação era prestar assistência aos arrendatários e fornecer instruções sobre os direitos desses indivíduos.

A referida associação teve como inspiração a experiência ocorrida no Engenho Galileia-PB, em Pernambuco, que teve como motivo de sua criação a arrecadação de fundos para enterrar os camponeses mortos, tendo em vista que os mesmos eram enterrados em valas comuns. Como era de se esperar em um Brasil marcado pelas relações de mandonismo/autoritarismo, a associação foi estereotipada de “Liga” por grupos elitistas da região pernambucana, tendo em vista o temor dessas elites de que, a exemplo de outros movimentos ocorridos no Recife, influenciados pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), a associação também tivesse essa influência.

Como se vê, as Ligas Camponesas originaram-se no estado de Pernambuco em meados do século XX, e acabou influenciando a criação de associações em estados como Paraíba, Rio de Janeiro, Goiás, dentre outras regiões do país. Elas tiveram uma atuação acentuada no período de 1955 até 1964, tendo suas lideranças perseguidas intensamente pelos militares após o golpe ocorrido no Brasil.

Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB. Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.

No contexto da década de 1960 é importante destacar que o mundo vivia o cenário da Guerra Fria, de um lado, a URSS socialista e de outro os Estados Unidos capitalista, dois modelos de econômicos e políticos que agregaram outros países em torno de seus projetos. Ao mesmo tempo, havia uma contracultura marcada pelos movimentos feministas, Hippie e que tinha uma forte adesão dos mais jovens, a música, o modo de se vestir e os protestos em relação às guerras, também deram a tônica desse período histórico. Os setores mais conservadores foram de encontro a esses movimentos. Eram tempos turbulentos e de anseios revolucionários.

Ideais defendidos por João Pedro Teixeira, ainda que justos, no Brasil da década de 1960, marcado pelo mandonismo local/coronelismo, eram subversivos demais. E João Pedro sabia que teria uma vida breve, pois era, tomando emprestado o nome do filme documentário de Eduardo Coutinho, um “cabra marcado para morrer”.

A criação da Associação dos Lavradores Agrícolas de Sapé, chamada de “Ligas Camponesas” de Sapé em 1958, como dito anteriormente, acabou dando mais visibilidade a João Pedro Teixeira, tornando-o perigoso para as autoridades locais. Em 1962, no mês de abril, tendo se dirigido a João Pessoa-PB para se reunir com advogados, em seu retorno a sua residência em Sapé-PB, foi assassinado em uma emboscada com três tiros nas costas. Os mandantes foram os latifundiários do Grupo da Várzea, eles articularam a morte do homem, mas esqueceram que naquele momento contribuíram para que nascesse o herói do homem e mulher do campo.

A sua viúva, Elizabeth Teixeira, perdera o grande amor de sua vida e assumira a responsabilidade de criar os nove filhos do casal. Mas, a paixão que a movera no início de seu relacionamento por João Pedro Teixeira, transformou-se em combustível para dar continuidade à luta em prol dos camponeses, iniciada pelo seu companheiro anos atrás. É sua a emblemática frase: “Eu marcharei na sua luta, João Pedro, pro que der e vier.” E assim o fez com honras, glórias e inglórias.

São histórias como estas que os visitantes poderão entrar em contato no “Memorial das Ligas Camponesas”, localizado no município de Sapé-PB, o memorial guarda não apenas a história do casal de camponeses, mas a de muitos indivíduos que sofreram nas mãos dos grupos poderosos da região. A luta pela terra, pelo direito de existir e fazer valer sua cidadania em um país de tantos contrastes, ainda faz parte do cotidiano de muitos camponeses.

É preciso unir os fios da História e da Memória a fim de que gerações futuras possam tomar conhecimento desse passado de luta, pois só o conhecimento abre as janelas para a tomada de consciência e da construção do sentimento de pertencimento/identidade.

Memorial das Ligas Camponesas, Sapé-PB. Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.

Profa. Dra. Lidiana Justo com a coordenadora do Grupo de Pesquisa Redmus, Profa. Dra. Luciana Costa. 
Acervo pessoal da Profa. Lidiana Justo.


Sites consultados:

Brasil de Fato- https://www.brasildefato.com.br/2022/04/02/cabra-marcado-para-morrer-morte-do-lider-campones-joao-pedro-teixeira-completa-60-anos. Acesso em: 27/05/2024.

Memorial da Democracia- https://memorialdademocracia.com.br/conflitos/pb. Acesso em: 27/05/2024.

Memorial das Ligas Camponesas- https://www.ligascamponesas.org.br/. Acesso em: 27/05/2024.

Filmes e entrevistas:

COUTINHO, Eduardo. Cabra marcado pra morrer.(119 min) Rio de Janeiro: Mapa Filmes, 1984.

Documentário Elizabeth Teixeira, mulher da terra. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2Vdkn2gDE3k. Acesso em: 27/05/2024.

 

 





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